Nas asas da música popular brasileira

A história de um país é sempre idólatra, ufanista e parcial. Os nossos vultos históricos não fogem ã regra: são destemidos super-homens, sem nenhuma macula ou deslize em toda a existência  aventurosa.

A música popular, com raríssimas  exceções, tem  sido instrumento das versões do poder, por ingenuidade ou oportunismo. A maioria dos samba-enredos não passa de louvaminhas, resvalando o ridículo, na ânsia de glorificar nossas personalidades.

Santos Dumont, gênio indiscutível, carismático, não poderia deixar a MPB infensa a sua empatia. É um dos personagens mais abordado pelos compositores populares. O ângulo que o enfocam é porém sempre cor-de-rosa, como se não tivesse enfrentado dissabores e encarasse o mais feliz dos mortais. Seu suicídio parece segredo de Estado. Espalhou-se a pueril versão de que morreu de desgosto por ter sua invenção se transformado em arma destruidora. Una inexorável doença do sistema nervoso, esta sim, minara-lhe o organismo, incoordenando-lhe as mãos, embaçando-lhe os olhos e tornando-o um ancião aos 5 9 anos.

Todo mundo continua com o engodo de fazê-lo gritar Shazam. Parece ser de 1903 a primeira manifestação musical na qual  seu nome aparece. A Conquista do Ar ou Homenagem a Santos Dumont uma caçoneta do cantor negro Eduardo das Neves, que o povo batizou de A Europa curvou-se ante o Brasil. Patrioteira mas fez enorme sucesso:

A Europa curvou-se ante o Brasil
E clamou parabéns em meigo tom
Surgiu lá no céu uma estrela
Apareceu-Santos Dumont.

Como a versalhada é quilométrica anota apenas o verso final:

Assinalou para sempre o século XX
O herói que assombrou o mundo inteiro
Mais alto que as nuvens, quase Deus
É Santos Dumont – um brasileiro

Em 1928 quando visitou o Brasil, foi homenageado com uma ode intitulada Condor Brasileiro do Dr. Sabino Campos e Caninha:

Salve Condor brasileiro
Que o céu voou primeiro
Entre os sábios   e heróis
Herói e sábio  profundo
Santos Dumont é o maior
Porque deu asas ao mundo.

E haja empolgação. Em 1938 – Antenor Gargalhada compõe o confuso Asas para o Brasil:

Viemos apresentar antes que alguém não viu
Mocidade sã, céu de anil,
Dai asas ao Brasil.
Tenho orgulho desta terra
Berço de Santos Dumont
Nasceu e criou, viveu e morreu
O PAI da Aviação.

De dois respeitáveis de nossa música popular, Ataulpho Alves e Wilson Batista, é a salada-exaltação abaixo, Terra boa, onde no maior caradurismo adulavam Getúlio Vargas:

Terra de Santos Dumont, Carlos Gomes, Rui Barbosa,
Grande Duque de Caxias, Castro Alves, Noel Rosa
Tem ainda um grande homem, destemido e braço forte
Por essa terra dou meu peito a própria morte.

Em 1946, agora com Aldo Cabral, Ataulpho lança a marcha-hino Santos Dumont. Mais uma vez versos precários e um insólito avião canoro:

Alberto Santos Dumont, nome de exemplo e valor
Jovem ainda viu o seu dom e foi audaz inventor
Nasceu em oitocentos e setenta e três
E se consagrou com altivez
Eis o progresso enfim a mostrar
Aves de aço, no céu a cantar.

Mais lantejoulas lançadas por Paulo e Tito Patrício:

Mineiro pra lá de bom
Foi o grande inventor Santos Dumont.

Em A 80 km por hora, Franco canta-o também:

Não vou chegar nas asas de Dumont
Nem vou falar nos fones de Grahan Bell.

Os sertanejos Juquinha e Silveira exageraram na dose, transferindo para ele o epíteto da Princesa Isabel:

Perto de Belo Horizonte
Nesta terra interessante
Nasce Santos Dumont
Para a nossa REDENÇÃO.

Klécius Caldas e Armando Cavalcanti revelam de quem JK herdou sua atração pelas andanças aéreas:

 O Pai da Aviação era mineiro
Nasceu com mania de voar
Por isso que o bicho carpinteiro
Não deixa esse mineiro sossegar.

Aparece novamente numa apologia mineira de Luiz Wanderley e Elias Soares:

Quem pensar que o mineiro é bobo
Vai cair na boca do lobo
Foi lã em Minas que deu Tiradentes
Seis presidentes e Santos Dumont.

Por fim mais rapapés no samba 0 Pai da Aviação de J. Colares:

No dia vinte e três de outubro de mil novecentos e seis
Santos Dumont conquistava o ar
Sob aplausos do povo francês.

Pelo que apresentamos neste artigo o leitor por certo concluirá que o herói merecia homenagens mais inspiradas. Concordo e faço minhas as palavras de Gilberto Freyre – Nunca um brasileiro foi uma tão completa glória universal, consagrado pelos sábios, reis e artistas.

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