A música Popular Brasileira, desde o surgimento do disco no início do século, veiculou nomes de produtos comerciais, com ou sem finalidade propagandística.
A antiquíssima modinha O Chefe da Orchestra falava no fortificante Jatahi:
O trombone fraquejava
Tli
hi
hi
A vista disso tiveram de tomar
Muito Jatahi.
Em 1927, Sinhô, com tremendo caradurismo lançava o samba carnavalesco Só na Casa Aguiar, promovendo-lhe os preços baixos. A notável dupla Noel e Vadico venceu um concurso com A Marcha do Dragão, onde louvava uma das mais conhecidas lojas do Rio na década de 30:
Você é mais conhecido
Do que níquel de tostão
Mas não pode ficar mais popular
Do que “O Dragão”.
Os cigarros foram muito mais decantados. Liberty e Yolanda eram dos mais consumidos nos anos trinta e foram lembrados por letristas famosos. Lamartine Babo, na marchinha Moleque Indigesto, gravada por Carmem Miranda em 1933, cita Yolanda:
Eta moleque bamba
Pega a cabrocha, pisca o olho e cai no samba
Esse moleque sabe ser bom
Faz o “footing” lá no Leblon
Bebe… joga, fuma Yolanda
Toca trombone na banda.
Mais recentemente Adoniran Barbosa relembra-o no seu Tocar na Banda.
Tocar na banda, pra ganhar o quê?
Duas mariolas e um cigarro Yolanda.
Noel Rosa diz no nostálgico João Ninguém:
João Ninguém
Não trabalha e é dos tais
Que joga sem ter vintém
E fuma Liberty Ovais.
Aldir Blanc em Kung Fu no Estácio aborda o cigarro:
Bem que eu falei
Antes da briga não se toma chá
Ô Paulo põe um óleo aí
E me acende um hawaí.
Ivan Lins em Poeira Cinza e Fumaça, solitário, dá sua pitada:
Um toca disco ligado
Um livro aberto na cama
TV sem som
Melodrama
E eu sem jantar, acordado
Dois Hollywood findados.
A popular cerveja também teve sua publicidade musicada. Ary Barroso e Bastos Tigre, sem cerimoniosamente, lançaram para o Carnaval de 1935, com Orlando Silva, a marcha Chopp em Garrafa:
O Brahma Chopp em garrafa
Querido em todo Brasil
Corre longe, a banca abafa
É igualzinho ao de barril.
Da dupla Chico buarque e Caetano Veloso saiu o Vai Levando:
Mesmo com toda a fama
Com toda a brahma
Com toda a cama
Com toda a lama
A gente vai levando.
Em 1958 houve o surto de gripe asiática e a composição carnavalesca Essa mão me pega, ensinava a preveni-la:
Essa não me pega
Não me pega não
Eu bebo Caracu
Misturado com limão.
Entre os refrigerantes a terrosa Coca-Cola é a mais badalada. Caetano Veloso cita-a no peripatético Alegria, Alegria.
Eu tomo uma Coca-Cola
Ela pensa em casamento
Uma canção me consola.
Torna a prestigiá-la em Você não me entende.
Você está sempre aflita
Com lágrimas nos olhos
De cortar cebola
Você é tão bonita
Você traz Coca-Cola eu tomo
Você bota a mesa eu como.
Ainda o baiano, que parece fixado na bebida, diz em Jóia.
Copacabana, Copacabana
Loura total e completamente louca
A menina muito contente
Toma Coca-Cola na boca.
Gonzaga Jr. protesta contra o colonialismo gustativo da prima:
A minha prima lá do Piauí
Não bebe mais garapa
Vai de Coca-Cola.
Dia a Dia, de Peninha, também fala nela:
Uma Coca, um cheese salada
Um cigarro, outro cigarro.
Lá vem de novo em Dorothy Lamour, de Ednardo.
No drama da primeira fila
No drama do teu sabor azul
Estranho como a primeira Coca-Cola.
Milton Nascimento também não resistiu ao fascínio:
A primeira Coca-Cola foi
Me lembro bem agora
Nas asas da Panair.
Outra temática que atrai os compositores é o automóvel. Marcos e Paulo Sergio Valle fizeram do Mustang Cor de Sangue uma ressalva à sociedade industrial. A Ford, numa manobra inteligente, fingindo ignorar a crítica, capitalizou o sucesso da música, comprando-lhes o direito de usar o título.
Tenho um novo ideal, sexual
Abandono a mulher virgem no altar
Amo em ferro e sangue o Mustang.
No Carnaval de 1972, Helton Menezes desprestigia o carro:
Ai que luxo
Sai de Mustang e só pega bucho.
No mesmo ano, Maria Cafona de jorge Costa e Marly de Oliveira melhora a imagem do carro:
Lá vem a Maria Cafona
Bonitona que nem ela só
Vai à boate de Mustang
Não perde um filme bangue-bangue.
O caipira Léo Canhoto evoluiu:
Se eu tivesse grana
Pra comprar um Mustang
Passava na rua onde ela mora
Num poeirão.
O Cadillac sempre foi bem cotado, como nessa marcha do Carnaval de 1962:
Ai, ai chegou o Belo Antonio
É bonito mas não é de matrimônio
Tem Cadillac, anda bacana
Só chega em casa de madrugada.
Zé Rodrix é saudosista:
Vamos ver a lua
Depois daquela montanha
Passeando neste Cadillac 52.
Na marcha Casamento da Lalá faz parte do dote:
Quero, quero tudo
Pra casar com a Lalá
Apartamento na barra dá pra morar
Um Cadillac pras “ondas” no Joá.
Paulo Gesta e A. Rocha sonham também com o ex-carrão:
Queria ser lulu de madame francesa
Pra passear de dia em um Cadillac
Apreciando a maravilha da natureza.
Adilson Ramos aparece com um twist:
Meninas não se assustem não
Sou eu que acabo de chegar
No meu Karmann Ghia.
Em Ai de mim Copacabana Caetano e Torquato Neto a grande aspiração do brasileiro está presente:
Nossos filhos, nosso fusca
Nossa butique, na Augusta
O Ford Galaxie, o medo de não ter
Um Ford Galaxie.
Gil não fica atrás do Conterrâneo:
Zeca, meu pai comprou um Volkswagen blue
Zeca, meu pai comprou um carrinho todo azul.
Raul Seixas, insatisfeito, canta em Ouro de Tolo:
Eu devia estar contente
Por ter conseguido comprar
Um Corcel 73.
A aristocrática Mercedes não poderia faltar. Eis Apartamento em Copacabana, de O. Monello e João Rotenn:
Eu quero ter duas Mercedes
Que é pra não viver sozinho
Uma com chofer e tudo
A outra pra fazer carinho.
Zé Rodrix se conforma com o sedentarismo:
A porta da minha Mercedes
O único exercício que eu fazia (abrir a porta)
Hoje o meu motorista faz por mim.
Esta marcha de Luis Cavalcanti e Bibi podia fazer eco à atual campanha de racionamento de gasolina:
Voltou de Monark pedalando
Pelas ruas vem cantando
Um dia eu chego lá
Um dia eu chego lá.
No nosso cancioneiro falou-se até em máquinas fotográficas:
O que você não sabe
Nem sequer pressente
É que os desafinados
Também têm um coração
Fotografei você na minha Rolley-flex…
(Desafinado, de Newton Mendonça e Tom Jobim)
Tem um cavalo que comprei em Pernambuco
E não estranha pista
Lá tem jornal, lá tem revista
E uma Kodak para tirar nossa fotografia (Minha Palhoça, de J. Cascata).
Os produtos farmacêuticos também tiveram seu oba-oba musical. A marchinha de Klécus Caldas e Armando Cavalcanti fez sucesso:
Penicilina cura até defunto
Petróleo bruto faz nascer cabelo
Mas ainda está pra nascer
O doutor
Que cure a dor de cotovelo.
Tom Zé em Jeitinho Dela é de um non-sense total:
Geladeira já teve febre
Penicilina teve bronquite
Melhoral teve dor de cabeça
E quem quiser que acredite.
Gilberto Gil lembra uma pílula famosa:
O sonho acabou dissolvendo
A pílula de Vida do Dr. Ross
Na barriga da Maria.
Na sua deliciosa Canção pra Inglês ver, Lamartine Babo faz uma mixórdia:
Exilir de Inhame
Reclame de andaime
Mon Paris je t’aime
Sorvete de creme.
O excelente letrista Aldir Blanc fez muito sucesso com seu curativo:
No dedo, falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante band-aid
No calcanhar.
Caetano Velloso em Superbacana satiriza a supervalorização:
Superbacana
Superbacana
Super Homem
Superflit
Supervinc
Superhist
Superviva.
De novo o inspirado Aldyr Blanc com João Bosco e Cláudio Tolomei cantando a saga de um estropiado por amor:
Olhe meu bem o que restou
Daquele grande herói sem seu amor
Enlouqueci e ando dodói
Como Tarzã depois da gripe
De emplastro Sabiá.Mais adiante reforça a dose:
Maracujina já não resolve
Ao recordar meias fumês, ligas vermelhas
E um olhar fatal.
Em Amigo da Onça com Silvio Silva dá conselho:
Não é possível
Você não se comove
Vá tomar um Engove.
Ainda o médico Aldyr com João Bosco receitando em Bandalhismo:
Como os pobres otários da Central
Já vomitei sem lenço e Sonrisal
P.F. de rabada e agrião.
Ele com Suely costa em Altos e Baixos.
Meu táxi, meu uísque, Dietil, Diempax
Ah mas há que se louvar entre altos e baixos
O amor quando traz tanta vida.
A freqüência com que são cantados os produtos nos faz pensativos: estarão os compositores despertos e conscientes para os riscos ou entorpecidos pelo bombardeio massacrante dos meios de comunicação?