O caminho do sucesso é uma caixinha de surpresas. É quase um exercício de ocultismo tentar entender o que leva o povo a consagrar uma canção.
A história da Música Popular está recheada de êxitos imprevisíveis. Este artigo conta um deles. A música, feita sem maiores pretensões, recusada pelos cantores da época, desancada pelo críticos, na qual os próprio autores não acreditavam, acabou se tornando conhecida mundialmente – só nos Estados Unidos são mais de vinte gravações – e permanece entre as que mais arrecadem no Carnaval ano após ano.
Isso tudo aconteceu com a marchinha Mamãe eu Quero que, em 81, foi novamente absoluta, só sendo incomodada pela indigente Maria Sapatão. Em 82 confirmou-se seu lugar cativo entre as campeãs de arrecadação. Os autores: Jararaca, alagoano nascido José Luiz Rodrigues Calazans, que formou com Ratinho a mais antiga dupla sertaneja do Brasil, que mesmo ante de surgir o rádio, já era conhecida em todos os cantos do país. Seu parceiro: Vicente Paiva, maestro paulista, autor de Olhos Verdes
São da cor do céu
Da cor da mata
Os olhos verdes da mulata
Tão cismadores e fatais
que Gal Costa redescobriu.
O Carnaval de 1937 tinha previsão de ser um dos mais insossos. Apenas alguns destaques: Como vais você, Falso amor; Lig-lig-Lé. Correndo por fora veio Mamãe eu Quero, maliciosa, com um refrão dos mais receptivos e estourou. Vicente Paiva lançou-a como balão de ensaio no Cassino da Urca onde era Diretor musical, mas até a composição conseguir chegar ao disco foi um sufoco. Ninguém se interessou. O Diretor da gravadora à qual estavam vinculados os autores não queria que Jararaca gravasse para o Carnaval para não queimar sua imagem de caipira-humorista. Vicente Paiva bateu o pé preparou a gravação, mas surgiram contratempos. Almirante, que participou do disco fazendo o papel da mão de Jararaca, sem mesmo se preocupar em adequar a voz, conta como foi: Na hora de gravar verificamos que a música era pequena, não tinha a duração exigida para o disco. Jararaca e eu completamos a música fazendo um diálogo improvisado na hora, sem nenhum interesse. O banjista, durante a gravação, errou um acorde, mas a música era considerada tão ruim que ninguém pensou em refaze-la. Eis o diálogo que abre a gravação original:
Jararaca: Mamãe eu quero
Almirante: Qué o quê, meu filho?
Jararaca: Mamãe eu quero ir pra avenida.
Almirante: Pra quê, meu filho?
Jararaca: Esse ano eu quero entrar nos cordões.
Almirante: Você vai é entrar na lenha, ouviu?
Jararaca: Ih, ?Mamãe está semiconflauta…
Mamãe eu quero;
Numa entrevista foi perguntado a Jararaca quem era o autor da composição. Respondeu: O autor? Quem é o autor? Não está nos jornais que sou eu? Vicente eu convidei para ser meu sócio. Fiz a idéia musical sozinho. Fica a dúvida no ar. Terá sido Vicente um parceiro fantasma? Acredito que não, pois já em 1935 havia namorado o tema, lançado a Marcha do Cordão do Bola Preta, que relançado em 1962 com algumas modificações foi sucesso na voz de Carmem Costa:
Quem não chora não mama
Segura meu bem a chupeta
Lugar quente é na cama
Ou então no Bola Preta
Jararaca declarou que se inspirou em si próprio: A idéia foi porque eu fui o menino mais mamão que apareceu. Mamei até os cinco anos de idade.
Bom voltando ao Mamãe Eu Quero; foi uma consagração e venceu até o concurso promovido pela Prefeitura naquele ano. Animada, a dupla voltou a se reunir e lançou em 1938 Cabra de Sutiã. Mas o fracasso foi total:
Tenho um casal de bode
Que vai sair amanhã
O bode de colete
A cabra de sutiã.
No carnaval de 1939 Silvino Neto e Plínio Bretas lançaram o Não te dou a chupeta, uma resposta, e obtiveram repercussão:
Já andas muito grande para implorar
Mamãe eu quero… eu quero…
Eu quero… Eu quero mamar…
O tema ficou latente até 1962 quando Felisberto Martins e Gomes Cardim compuseram Quem não Chora. Passou em brancas nuvens:
Quem não chora não mama
Por isso eu vou chorar
Vou chorar, vou gritar
Eu quero, quero, quero
Eu quero é mamar.
Trinta e quatro anos depois, Jararaca ainda tentava navegar na esteira do antigo êxito. Compõe para o Carnaval de 1971 o Mamãe não quero:
Mamãe, mamãe eu não quero
Eu não quero mais mamar
Mamãe, mamãe hoje eu quero, hoje eu quero
Hoje eu quero é me casar.
Na realidade pouquíssimas músicas brasileiras foram sucesso mundiais. Mamãe eu Quero, juntamente com Delicado, Aquarela do Brasil, Copacabana, Não tenho lágrimas, Na baixa do sapateiro, Garota de Ipanema (posso ter esquecido mais três ou quatro), faz parte desse rol famoso. Gravada por Bing Crosby, cantada em desenho do Tom e Jerry, única música que impressionou o rei do disco francês, Eddie Barclay, que a ouviu no Carnaval de 1976 e pensou em gravá-la, sucesso no Carnaval peruano e mexicano, continua, diante da anêmica música carnavalesca atual, cada vez mais forte. Eis a letra completa, que pouca gente sabe, pois sendo extensa o povo adotou o refrão e entra no lá, rá, rá, na hora de cantar o resto:
Mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar.
Dá a chupeta, dá a chupeta,
Dá a chupeta pro bebê não chorar.
Dorme filhinho
Do meu coração
Pega a mamadeira
E vem entrá pro meu cordão.
Eu tenho uma irmã
Que se chama Ana
De piscá o olho
Já ficou sem a pestana.
Olha as pequenas
Mas daquele jeito
Tenho muita pena
Não ser criança de peito
Eu tenho uma irmã
Que é fenomenal
Ela é da bossa
E o marido é um bossal.
O reconhecimento de sua mensagem de alegra porém não foi unânime. Tinha que aparecer algum estraga-prazer e Walter José, Jacinto Jr. e Mesquita contestaram com a marcha Tema Novo criada para o Carnaval de 80.
Maestro por favor.
Deixa de lero-lero.
Já estou de saco cheio
De cantar Mamãe eu Quero.